Armadores em pé-de-guerra com o Governo: ACAMM denuncia irregularidades no concurso de concessão do serviço público do transporte marítimo e caos social com o monopólio da exploração do sector

Referindo-se aos aspectos críticos do projecto de concessão em apreço, a Associação Cabo-verdiana dos Armadores da Marinha Mercante (ACAMM) pede ao Governo (ver a posição deste no jornal), em comunicado assinado pelo seu presidente, que pondere bem a situação e clarifique a sua posição final sobre o assunto. « O quadro acima exposto é preocupante e perante tal, a ACAMM pede ao Governo que pondere bem a situação e marque uma posição clara, definitiva e imediata sobre o assunto, assegurando aos armadores de cabotagem nacionais a continuidade das suas atividades e garantindo-lhes as condições para a realização de futuros investimentos na área».

João Guilherme faz questão de contextualizar que, no quadro da sua política estratégica «visando melhorar a eficiência e a eficácia de transporte de passageiros e cargas», o Governo lança um concurso internacional para a concessão do serviço público de transportes marítimos inter-ilhas de passageiros e cargas, em regime de exclusividade durante 20 anos para todas as linhas, entendendo que os armadores nacionais não tinham condições de garantir esse serviço conforme os requisitos exigidos.

Irregularidades e ilegalidades

«Com efeito, a Cláusula 3ª do Caderno de Encargos da segunda fase do concurso por prévia qualificação (pois que a primeira fase foi completamente deserta de todos os documentos exigidos por lei), cujo prazo para a entrega das propostas terminou a 27 de setembro p.p. diz, claramente, no seu número 1, que “a concessão é estabelecida em regime de exclusividade ao adjudicatário”. Isto significa, em outras palavras, que a concessão é estabelecida em regime de monopólio, por vinte anos, eventualmente renovável, por iguais e sucessivos períodos. Significa ainda dizer que acabou em Cabo Verde o regime de concorrência no mercado de transportes marítimos inter-ilhas de cargas e passageiros, com a agravante da exclusão dos armadores nacionais do setor por ato da Administração», refere o comunicado.

Para o presidente da ACAMM, tal situação configura um atentado à Constituição da República que, ao estabelecer os princípios da organização económica do País, manda, sem margens para dúvidas, que o mercado seja organizado pelo Estado e pelos demais poderes públicos por forma a garantir a democracia económica e assegurando, designadamente, “a igualdade de condições de estabelecimento e de atividade e a sã concorrência”.

«No desenvolvimento deste sagrado princípio constitucional vem o regime geral de acesso às atividades económicas, aprovado pela Lei n.º 49/VII/2009, de 30 de Dezembro, que revogou a anterior Lei n.º 93/IV/93, de 15 de Dezembro, permitir o livre estabelecimento a nacionais e estrangeiros em todos os setores económicos abertos à iniciativa privada… e conceder tratamento equitativo às atividades económicas de qualquer natureza realizadas no território nacional, proibindo qualquer tratamento discriminatório entre uns e outros, seja de natureza política, jurídica ou administrativa», refere a mesma fonte.

O comunicado lembra, por outro lado, que no desenvolvimento ainda do artigo 6º da Lei 49/VII/2009, de 30 de Dezembro, que manda o Estado assegurar a disponibilidade dos meios fundamentais de transporte necessários à circulação de pessoas e bens inter-ilhas e à importação e exportação de produtos, foram aprovadas as Bases de Concessão do Serviço Público Marítimo Inter-Ilhas, que na sua Base IV, n.º 1, diz que o referido serviço é exercido exclusivamente em regime de concessão, obedecendo ao princípio da universalidade, igualdade, continuidade, regularidade, qualidade, acessibilidade de preços, eficiência e eficácia.

Monopólio e caos financeiro-social no sector

O presidente da organização representativa da classe dos armadores faz questão de alertar que dizer exclusivamente em regime de concessão é bem diferente de dizer em regime de concessão exclusiva. « Esta última asserção que vem expresso no texto do caderno de encargos e de outros documentos do procedimento, para além de ser ilegal, seria, também inconstitucional», adverte.

Referindo-se ao impacto negativo do contrato da concessão em causa, João Guilherme considera, por outro lado, que a continuação deste processo acarretará o encerramento de todas as empresas marítimas nacionais, com implicações graves de ordem social, económica e financeira.

«Do ponto de vista social e económico, este ato afetará, diretamente e com despedimento imediato, centenas de trabalhadores, com impacto indireto em milhares de pessoas. O efeito multiplicador da perda de rendimento destas famílias é devastador no seio do tecido empresarial, particularmente de S. Vicente, com resultados negativos a nível das relações económicas e sociais destas famílias com as mais variadas instituições públicas e privadas, no âmbito das suas transações económicas de bens e serviços indispensáveis. Em suma, o impacto se fará também sentir a nível do comércio geral, escolas, universidades, empresa de energia e água, telecomunicações, transportes, saúde, etc. com efeito direto na depreciação das condições de vida de milhares de pessoas (trabalhadores e famílias dependentes)», enumerou.

Mas as preocupações não ficam por aí. O responsável máximo da Associação Cabo-verdiana de Armadores da Marinha Mercante salienta que o mesmo contrato para a exploração do serviço público de transporte marítimo de cargas e passageiros inter-ilhas vai ter efeitos devastadores graves a nível económico e financeiro no país. «Do ponto de vista económico e financeiro afetará ainda:1) O Estado de Cabo Verde, privando o Ministério das Finanças, em sede do IRPS, do IRPC e do IVA de largas dezenas de milhões de escudos por ano;2) O INPS em contribuições que ascendem, também, a dezenas de milhões de escudos por ano; 3) As instituições financeiras nacionais e a credibilidade dos armadores. O avultado crédito contraído junto à banca pelos empresários dos transportes marítimos nacionais cairão em incumprimento, com consequências que afetarão gravemente estes homens de negócios e suas famílias; 4) Imobilização dos ativos das empresas (navios e inerentes) por imposição legal e com repercussões imprevisíveis», conclui o comunicado da ACAMM, assinado pelo seu presidente.

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